terça-feira, 1 de novembro de 2011

Livreiro ressabiado





«As editoras têm apresentado o que vão dar a ler ao longo dos próximos meses e, em destaque, surge já 30 de Setembro, com “Comissão das Lágrimas”. O novo livro de Lobo Antunes parte de “um doloroso canto de uma mulher torturada”, diz o comunicado da editora Dom Quixote, que acrescenta que este é um “livro denso e sombrio sobre Angola depois da independência”.»



Este excerto foi pescado aqui http://rr.sapo.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=96&did=171731 de onde o retiramos com a devida vénia (acompanho o gesto à palavra) e serve de preâmbulo ao resto.



Apesar de, cada vez mais, ser difícil estar informado sobre o mundo da edição, vou lendo aqui e ali as notícias que são debitadas para jornais, revistas, blogues, sítios da Internet, no que gasto tempo que me seria precioso para abrir e fechar caixotes do imenso lixo que algumas distribuidoras insistem em querer colocar no espaço cada vez mais exíguo da livraria. Para mostrarem os seus “produtos”. Para os venderem.



Para a minha informação muito contaram, sempre, as visitas de vendedores, classe trabalhadora cuja terminologia, antes da extinção que se avizinha, mudou para “comerciais”. Traziam livros que eu manuseava, avaliava mesmo através do cheiro da experiência de vendas ao meu público cliente. Conversávamos sobre os livros. Chegámos mesmo a trocar livros que tínhamos lido e de que tínhamos gostado.



Com alguns vendedores conversava como conversamos com os nossos clientes. É óbvio que, tanto os vendedores como nós, trabalhamos para vender livros. Mas não só! E é neste “não só” que reside a diferença.



Há clientes que nos visitam, não raras vezes, apenas para conversarem connosco. Sobre isto ou aquilo mas, sobretudo, sobre livros, escritores e tudo o resto que se relaciona.



Foi assim que, através de uma cliente, depois de eu assegurar que a Editora da Autora tinha falido e ainda não se sabia quem iria publicar os novos títulos, soube da próxima saída do novo livro de Isabel Allende na Porto Editora. Tal foi anunciado, com pompa, circunstância e croquete, à Comunicação Social. Ora, os Órgãos de Comunicação Social fizeram e, pelos vistos, bem, o seu trabalho. De tal maneira que a notícia chegou primeiro à minha cliente do que a mim.



Imaginem que, um dia, o paciente chega à farmácia e dá lições ao farmacêutico sobre os medicamentos que vende, os laboratórios que os produzem e por aí fora! Por desnecessários, certamente deixariam de existir farmacêuticos! Será o que o futuro nos reserva? É que um livreiro, e falo sempre na qualidade de livreiro de fora dos grandes centros urbanos, um livreiro, dizia, não deixa de ser uma espécie de farmacêutico!



Quem não terá feito bem o seu trabalho terá sido a Porto Editora ao desprezar os seus “parceiros”. Digo eu!... Mas, se calhar, estou enganado. Eu, sozinho na livraria, a atender os (poucos) clientes e a abrir e fechar os (muitos) caixotes, conferir facturas e notas de crédito enganadas, contactar bibliotecas, escolas, autores… e os bancos!... Pouco sobra para a vida pessoal. E não me obriguem a ver televisão para saber que livros vão sair e onde! São as editoras que têm o dever de me informar. Mas acho que deixaram de querer isso. Porque deixaram de querer que haja livrarias.



O novo livro de Lobo Antunes existe, neste momento, às paletes nas grandes superfícies e não foi entregue às livrarias atempadamente. Daqui a um ano o cliente encontrará pelo menos um exemplar na livraria e nenhum nas tais grandes superfícies. Quem duvida?Penso que está na altura de os próprios autores abrirem os olhos. É que, daqui a um ano haverá possivelmente metade das livrarias. E daqui a dois, naturalmente, haverá tantas livrarias como lojas de discos existem hoje espalhadas pelo País. Quem me diz onde há uma para eu ir lá a correr comprar o novo do Sérgio Godinho?



Já me aconteceu ter de ir a um concorrente comprar um livro para servir um cliente. Porque esse livro foi traduzido e editado por um fornecedor meu mas vendido em exclusivo para esse meu concorrente. Que merda de lei de concorrência é esta?



E, desta vez, nem falo da defunta Lei do Preço Fixo do Livro! É que, se formos por aí, o papel não chega para crucificar – justamente – os impérios do consumo e quem lhes dá cobertura.



Se isto é ressabiamento, eu sou o primeiro dos ressabiados.



Notas: Felizmente, no campo das editoras, ainda há excepções à regra. Pequenas como nós!...A gravura foi roubada daqui http://cadeiraovoltaire.wordpress.com/



Sines, 12 de Outubro de 2011


Joaquim Gonçalves



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