segunda-feira, 7 de maio de 2012

Obrigado. Volte sempre!



 Hoje de manhã, a primeira coisa que fiz em termos de trabalho foi ir aos CTT enviar um livro para um cliente.

Tudo normal não fosse o facto da livraria ser um estabelecimento de venda ao balcão sem nenhuma estrutura que facilite as transacções através da Internet.

AMADORA

Não sei como, no entanto, há um cliente da Amadora que, regularmente, faz encomendas por e-mail. Não sei como tomou conhecimento da livraria mas, certamente, através do blogue (http://adasartes.blogspot.com). Porque engraçou com esta e não com outra é um mistério que, um dia, talvez venha a desvendar. Até porque o cliente, por vezes, telefona quando a encomenda demora mais um pouco e até já conversamos um bocadinho Pode ser que, numa dessas ocasiões, e já com mais à vontade, tenha coragem de o sondar sobre o assunto. Nunca vi esta pessoa que, segundo as estatísticas do programa de facturação, está entre os vinte melhores clientes individuais.

LISBOA

Outro cliente, este já há muito passado para o rol dos amigos, vive em Lisboa. Trabalha numa empresa que lhe dá fácil acessibilidade a toda a cidade mas o seu local de trabalho é junto ao Parque Eduardo VII onde, como se sabe, se realiza todos os anos a Feira do Livro que, por acaso, está agora a decorrer. Chamemos-lhe JP.

O JP vem regularmente a Sines passar fins-de-semana, muitas vezes prolongados. Conhecemo-nos no dia em que a livraria abriu. E a coisa não correu muito bem de início graças a um mal-entendido.

Estávamos, então, a acabar de arrumar o espaço mas já com a porta aberta. O JP assoma-se à entrada, espreita e pergunta:

- Pode-se entrar?

Atarefado, distraído e descuidado, respondo:

- A porta está aberta!...

A intenção não foi má… JP não desarma e, com a sua frontalidade e meio indignado, responde:

- Que está aberta, eu sei! Educadamente perguntei se podia entrar?!

Claro que me desfiz em desculpas e o JP compreendeu. Até hoje! Ficámos amigos.

Agora, quando nos visita, invariavelmente traz alguma coisa que faz sempre falta num estabelecimento: Papel A4, clipes, agrafos, elásticos, post-it… Antes de cá vir telefona a perguntar das necessidades deste tipo de produtos. Nunca quis receber dinheiro. A esposa faz um bolo para nos oferecer.

Mas, mesmo que não venha a Sines, JP está sempre presente e atento. Mal topa com uma promoção rentável numa grande superfície, telefona-me indignado:

- Oh senhor Joaquim, como é que vocês hão-de sobreviver? Veja lá que estou no (nome da superfície comercial) e estão a dar 50% (ou 40% ou o raio que os parta) em livros… Nas novidades! O JP, fruto de muitas horas de conversa na livraria, apercebe-se de muitas das nossas desesperanças e preocupações:

- Eu vou dizer-lhe os títulos. Quer que eu lhe compre algum? É que, assim, ainda compra mais barato do que se for à Editora! Quando for a Sines eu levo-lhos ou, se quiser, mando já pelo Correio.

Agradeço com amabilidade mas, sistematicamente, recuso a oferta.

Pensam que o JP aproveita a oportunidade para comprar algum daqueles livros para ele? Não. O JP encomenda-me os livros que quer, estejam numa daquelas promoções (?) ou não e, quando vem a Sines, paga e leva para casa. Para Lisboa. Ao preço de Editor menos o desconto possível que, obviamente, me sinto na obrigação de lhe fazer.

SINES

Depois de vir do Correio abri a livraria. Vinte minutos depois entra o primeiro cliente. É da terra, vejo-o de vez em quando e, por vezes, entra na livraria. Desta vez:

- Tem livros sobre Angola?

- Sim senhor. Dos países africanos de língua portuguesa estão nesta estante.

O cliente lá foi, demorou-se alguns minutos, escolheu e colocou sobre o balcão cinco livros:

- Tem Multibanco?

- Com certeza.

Penso para mim: Bom, o dia não começa mal! Há dias inteiros em que não totalizo tal montante!

Registo a venda, digo o valor enquanto coloco os livros num saco. O cliente passa-me o cartão, faço a operação na máquina e, enquanto aguarda o recibo, com ar simpático e como que a desculpar-se, vai dizendo:

- Este ano não vou à Feira do Livro… Estou a trabalhar, tenho a mulher doente… Portanto, tenho que comprar aqui…

- Obrigado, volte sempre!

Joaquim Gonçalves
Sines, 7 de Maio de 2012 

(imagem retirada do blogue o livreiro)

4 comentários:

  1. Gostei muito de ler, porque é quase "visível" o que descreve.
    Pois é, com tanta promoção como é que um honesto Livreiro se governa? Fantástico esse cliente que o Joaquim não conhece e lhe encomenda livros. Porque o fará? Quanto ao dos fins de semana, penso saber quem são. Aquele simpático casal que vejo aí com frequência a para além de livros também apreciam a boa mesa.
    Gente boa!
    E com isto tudo...ainda acabarei por largar AÍ os 20 e tal euros pelo "Dona Maria II".
    Ai Jôquinito se a gente tivesse a varinha mágica para o agarrar a si mais à nossa livraria por muitos e muitos anos com bons lucros...
    Só espero que o Pingo Doce não se lembre a vender livros tipo "levem cem e pague 5o". Aí é que estávamos tramados!!!
    Saúde e CORAGEM!
    Uma sua admiradora que por acaso se chama Carolina e que também rondou a montra desde a primeira hora!
    ;)

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    1. Muito obrigado, Carolina, mulher sempre presente quando "chamada à pedra" nas chatices que por aqui se têm feito. Bem haja!

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  2. Verdadeiramente contente, edificado e admirador por respeito às personagens e também pelo gosto de tão agradável arte de escrever e descrever.
    Abr
    M. Medeiros

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    1. É, sempre, uma honra e um prazer acolher comentários de um olho de falcão livreiro. Obrigado, Mestre!

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