sábado, 27 de outubro de 2012

Chover no molhado


Acabado o almoço, como sempre, sento-me um bocado no sofá da sala a espreitar as notícias na televisão ou, simplesmente, a mudar de canais para ver “o que é que está a dar”. A maior parte das vezes o que dá é o sono. E ali fico para, automaticamente, sem despertador, acordar às três da tarde, hora de ir para a livraria.

Hoje não adormeci. Não só por causa da gritaria de crianças à minha volta – é sábado e há mais gente em casa – mas, acima de tudo, porque fiquei preso a olhar para uma edição especial do programa “Alta Definição”.

Depois de “O que os teus olhos dizem” chegou esta semana à livraria um novo volume transcrito do programa de Daniel Oliveira, este, com o subtítulo “A verdade do olhar”.

Sem juízos de valor, quer sobre o programa, quer sobre os livros, lá fiquei a olhar para o ecrã onde, em rodapé, começou a passar uma mensagem referindo que o autor ia estar a autografar livros no hipermercado X, de tal sítio, às tantas horas e, no mesmo hiper, mas de outro sítio, duas horas mais tarde, se não me engano.

É claro que os autores precisam que os seus livros vendam! É claro que as editoras devem fazer o seu trabalho para que isso aconteça! Acredito, até, que é naqueles locais, aquelas catedrais do consumo que têm levado à miséria tantos portugueses, onde algumas editoras vendam mais livros.

Não é claro, para mim, que algum autor ali dê autógrafos de vontade; Não é claro, para mim, que seja um espectáculo digno de quem escreve e merece respeito; Não é claro, para mim, que esses autógrafos tenham algum valor. É claro para mim que, ao contrário dos encontros de escritores com os seus leitores organizados nas livrarias, ali nada se ganha para o espírito; ali, o autor não tem as perguntas, as respostas, os anseios do leitor; ali, o escritor continua a desconhecer o leitor. Felizmente há escritores que se interessam por isso. E livreiros. E editoras.

Quem não se move neste meio não imagina as dificuldades em levar um escritor a uma livraria. A distância… O tempo… A rentabilidade… E se, depois, está pouca gente?...

Nem todos fazem prevalecer a quantidade sobre a qualidade. Ainda há quem dê importância à palavra. Às palavras.

Ali só fala o dinheiro. E esse, não é preciso? Claro que é! E o espírito, a alma ou seja lá o que lhe queiram chamar?!

- Olha fui comprar serradura para a caixa do gato e estava lá um boneco a escrever o nome dele automaticamente num livro! ‘tás a ver? ‘tás a ver? Sou uma pessoa importante – o tal de autor até escreveu o meu nome!

Três da tarde, apaguei a televisão e fui abrir a porta da livraria. Abri o Facebook e, logo no início, uma mensagem da editora dos ditos livros publicitando o envio, para qualquer parte do mundo, com 10% de desconto.

E eu a pensar que, enviando para todo o continente livros pelo preço de capa, sem custo de portes, estava a ajudar alguma coisa ao público, às editoras, aos escritores e, claro, à livraria! Santa ingenuidade de sonhador.

Desliguei o Facebook, abri o Word e vim para aqui escrever. Pelo menos tinha alguém com quem falar – eu mesmo. Depois publico no Facebook e pode ser que mais alguém me leia e saiba responder à pergunta que me assalta:

- Para que querem, escritores e editores como estes, as livrarias?

Sines, 27 de Outubro de 2012
Joaquim Gonçalves

2 comentários:

  1. Não diga que não é giro levar um livro na mão e noutro um saco plástico com uma linguiça!!!!
    O livro pode ter muita COISA mas não se pode "mexer com ovos"; a linguiça, sim!!!!
    E depois há aquele cheirinho a ovos mexidos com linguiça Experimente fazer isso com um livro! Por melhor que ele seja, não resulta!
    LIVROS EU SÓ VOU COMPRAR NA LIVRARIA!
    E LINGUIÇA, NO TALHO DA MINHA RUA!!!!

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  2. Moro na Costa da Caparica, e aqui fechou, há poucas semanas, a única livraria da "cidade". Tempos duros se prefiguram no horizonte das nossas melancolias. A minha palavra. A tua. Resistir. Havemos de saber como. Com certeza.

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