Acabado o almoço, como sempre, sento-me um bocado no sofá da
sala a espreitar as notícias na televisão ou, simplesmente, a mudar de canais
para ver “o que é que está a dar”. A maior parte das vezes o que dá é o sono. E
ali fico para, automaticamente, sem despertador, acordar às três da tarde, hora
de ir para a livraria.
Hoje não adormeci. Não só por causa da gritaria de crianças
à minha volta – é sábado e há mais gente em casa – mas, acima de tudo, porque
fiquei preso a olhar para uma edição especial do programa “Alta Definição”.
Depois de “O que os teus olhos dizem” chegou esta semana à
livraria um novo volume transcrito do programa de Daniel Oliveira, este, com o
subtítulo “A verdade do olhar”.
Sem juízos de valor, quer sobre o programa, quer sobre os
livros, lá fiquei a olhar para o ecrã onde, em rodapé, começou a passar uma
mensagem referindo que o autor ia estar a autografar livros no hipermercado X,
de tal sítio, às tantas horas e, no mesmo hiper, mas de outro sítio, duas horas
mais tarde, se não me engano.
É claro que os autores precisam que os seus livros vendam! É
claro que as editoras devem fazer o seu trabalho para que isso aconteça!
Acredito, até, que é naqueles locais, aquelas catedrais do consumo que têm
levado à miséria tantos portugueses, onde algumas editoras vendam mais livros.
Não é claro, para mim, que algum autor ali dê autógrafos de
vontade; Não é claro, para mim, que seja um espectáculo digno de quem escreve e
merece respeito; Não é claro, para mim, que esses autógrafos tenham algum
valor. É claro para mim que, ao contrário dos encontros de escritores com os
seus leitores organizados nas livrarias, ali nada se ganha para o espírito; ali,
o autor não tem as perguntas, as respostas, os anseios do leitor; ali, o escritor
continua a desconhecer o leitor. Felizmente há escritores que se interessam por
isso. E livreiros. E editoras.
Quem não se move neste meio não imagina as dificuldades em
levar um escritor a uma livraria. A distância… O tempo… A rentabilidade… E se,
depois, está pouca gente?...
Nem todos fazem prevalecer a quantidade sobre a qualidade.
Ainda há quem dê importância à palavra. Às palavras.
Ali só fala o dinheiro. E esse, não é preciso? Claro que é!
E o espírito, a alma ou seja lá o que lhe queiram chamar?!
- Olha fui comprar serradura para a caixa do gato e estava
lá um boneco a escrever o nome dele automaticamente num livro! ‘tás a ver? ‘tás
a ver? Sou uma pessoa importante – o tal de autor até escreveu o meu nome!
Três da tarde, apaguei a televisão e fui abrir a porta da
livraria. Abri o Facebook e, logo no início, uma mensagem da editora dos ditos
livros publicitando o envio, para qualquer parte do mundo, com 10% de desconto.
E eu a pensar que, enviando para todo o continente livros
pelo preço de capa, sem custo de portes, estava a ajudar alguma coisa ao
público, às editoras, aos escritores e, claro, à livraria! Santa ingenuidade de
sonhador.
Desliguei o Facebook, abri o Word e vim para aqui escrever.
Pelo menos tinha alguém com quem falar – eu mesmo. Depois publico no Facebook e
pode ser que mais alguém me leia e saiba responder à pergunta que me assalta:
- Para que querem, escritores e editores como estes, as
livrarias?
Sines, 27 de Outubro de 2012
Joaquim Gonçalves